sexta-feira, 20 de maio de 2016

Mãe de Cristo

Mater Christi, ora pro nobis.

...te trouxe nove meses no seio, que te amamentou durante três anos, que te nutriu, te conduziu e te educou..(II Macabeus, 7)




Como estamos, por hora, apenas recolhendo depoimentos sobre as invocações da Ladainha, isto é, como ilustres homens da Igreja "sentem" os apelativos destinados à Virgem Santíssima, comecemos, hoje, pelo do Padre Paschoal Rangel. Diz ele:

O evangelho nos fala de "Maria, de quem nasceu Jesus que se chama o Cristo" (Mt 1,16). Jesus é o nome humano do Verbo de Deus. Aponta para o homem de Nazaré, o carpinteiro, filho de José, cuja mãe era Maria, cujos irmãos e irmãs (no sentido bíblico de parentes próximos) viviam na sua cidadezinha galiléia (Mc 6,1-3); designa o pregador, o taumaturgo, o crucificado. Já Cristo é o designativo do Jesus ressuscitado, glorificado pelo Pai, Senhor imortal, que vive na sua Igreja e, com o Espírito Santo, santifica, liberta, governa a Igreja e a dirige nos caminhos do amor.
Mãe de Jesus Cristo, Maria está ligada a essa vida terrestre de Jesus, assim como à sua vida gloriosa, messiânica, escatológica.
O sob muitos aspectos notável Tertuliano, autor de belos livros em defesa dos cristãos nos tempos das grandes perseguições dos primeiros séculos, explica que "o nome Cristo não é um nome próprio, e sim, um apelativo", que indica função, qualidade. Jesus começou a ser chamado de Cristo pelos discípulos após a Páscoa, quando reconheceram nele o Ungido do Senhor.
De fato, "Cristo" vem de "crisma", e crisma significa (em grego) "unção". O "ungido" do Senhor é uma pessoa marcada por Deus, para Deus. A unção (dos reis, dos profetas) era um sinal de que Deus tinha escolhido e "marcado" espiritualmente alguém para uma missão. Não uma missão passageira, da qual alguém se desincumbe, e acaba. Mas uma missão definitiva, que faz parte do próprio destino, da própria personalidade desse alguém.
Foi assim que Jesus, o Salvador, o "ungido", o "marcado" para a morte e a vitória sobre a morte, a fim de realizar a libertação definitiva dos homens, se tornou o Cristo. E Maria é a mãe desse Cristo, conscientemente.
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O Padre Vaz, por sua vez expõe:

A Virgem Maria é a Mãe de Jesus Cristo. Nem sempre sabemos unir em nossa contemplação das glórias de Maria a dimensão divina e a realidade humana de sua maternidade virginal. Ela é verdadeiramente a Mãe de Deus, a "Dei Genetrix - a Theotókos", como definiu para nossa fé o Concílio de Éfeso em 431. Pela ação do Espírito Santo (Mt 1,20), realizou-se na ventre da Virgem de Nazaré o encontro maravilhoso e misterioso da divindade com a humanidade: o Verbo de Deus, o Filho Unigênito de Deus, "se fez carne" (Jo 1,14), fez-se Homem, assumiu nossa condição. Assim, Maria, a Mãe de Jesus Cristo, é a Mãe de Deus e a Mãe do Homem Jesus. Em seu filho, com efeito, subsistem, na única Pessoa Divina, as duas naturezas, divina e humana, perfeitas, completas, não confundidas entre si, como nos ensina a Igreja (Concílio de Calcedônia em 451).
No Filho de Maria Deus se fez visível, se fez presente entre nós. Nele o homem viu, ouviu, tocou em Deus: "O que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam do Verbo da Vida..." (1Jo 1,1) é a expressão tão realista com que São João declara esta verdade: o Filho de Deus é o Verbo da Vida, o Filho de Deus que se fez visível para nós no menino que nasceu em Belém.
Com Maria, Jesus nos foi revelado em seu mistério de Deus feito homem. Por intercessão d'Ela, nas bodas de Caná, Ele realizou o milagre que abriu para os discípulos o caminho da fé: "Este foi o início dos sinais, e Jesus o fez em Caná da Galiléia, manifestou sua glória, e seus discípulos creram n"Ele" (Jo 2,11). Foi Ela que apresentou Jesus aos primeiros escolhidos por Deus para receber o dom da fé: os humildes pastores que, chamados pelos anjos, foram a Belém e encontraram "Maria, José e o Recém-nascido deitado numa manjedoura" (Lc 2,16). Ela entregou o Menino Jesus aos braços dos justos e fiéias Ana, a profetisa, e Simaão, o qual, pela revelação do Espírito Santo e movido por Ele, fora ao Templo e, recebendo o Menino dos braços de sua Mãe, louvou e agradeceu a Deus o dom da salvação preparada para todos os povos e glória para Israel, o Povo de Deus (Lc 2,25-32). Os sábios do Oriente, que partiram à procura do Rei cujo nascimento a estrela anunciara, foram a Belém guiados pela estrela e encontraram "o Menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se O adoraram" (Mt 2,11).
Maria realizou sua missão materna recebendo de Deus um precioso auxiliar: o esposo José. Jovem operário, educado no trabalho e na sobriedade, homem justo e fiel, foi escolhido por Deus para resguardar dos olhos humanos, cheios de malícia e de incompreensão, o mistério que se realizava, pela ação do Espírito Santo, no ventre virginal de sua Esposa. Convivendo com o segredo de Maria, José cresceu silenciosamente na contemplação dos mistérios de Deus, e a convivência com Jesus e Maria o tornou o modelo e padroeiro de nossa vida espiritual.
Maria e José formaram a Sagrada Família de Nazaré. Nela o Menino Jesus foi educado, iniciado no culto e na lei do Senhor, e sua inteligência e sua sensibilidade foram crescendo, pelo convívio com seus pais no trabalho e na oração, "em sabedoria, idade e em graça diante de Deus e diante dos homens" (Lc 2,52).
A herança materna recebida de Maria refletia-se em seu Filho. Os traços físicos de Jesus, sua fisionomia, sua estatura, seus olhos, seu modo de falar levavam a marca de sua Mãe. Quando amamentava seu filhinho, Maria não somente se enchia de ternura e enlevo materno, mas também ia descobrindo as linhas de seu próprio rosto se definindo no rostinho daquela criança. Com razão, a Igreja canta em um dos mais belos hinos eucarísticos sobre o Corpo de Cristo: "Salve verdadeiro Corpo, nascido da Virgem Maria"! Essas descobertas não deixaram de agir em Maria. Educadora de seu Filho, foi também por Ele educada, fez-se a perfeita e fiel discípula de Jesus. A convivência no dia-a-dia ou os fatos marcantes na vida de Jesus encontravam uma profunda ressonância no coração da Virgem: "Maria conservava cuidadosamente todos esses acontecimentos e os meditava em seu coração" (Lc 2,19). "Sua Máe conservava a lembrança desses fatos em seu coração" (Lc 2,51).

GENEALOGIA JESU CHRISTI PER MUNDI AETATES VERSU DEDUCTA.
A missão materna de Maria não se limitou à gestação, ao nascimento e à infância de Jesus. Sua solicitude e cuidado, tão exigidos no episódio da fuga para o Egito (Mt 2,13-15) ou na perda e encontro do Menino Jesus no Templo de Jerusalém (Lc 2,41-50), continuaram acompanhando Jesus em seu ministério, desde Caná (João 2,1-12), pelos diversos lugares por onde Ele pregava (Mt 1,46; Mc 3,31; Lc 8,20), até o momento supremo do sacrifício do Calvário (Jo 19,25-27). Essa missão materna, após a Ressurreição e Ascensão de Jesus, continuou-a Maria na Igreja nascente. Ela reuniu os discípulos em oração (At 1,14), preparando-os para a efusão do Espírito Santo em Pentecostes, e prosseguiu nas comunidades da Igreja que iam surgindo na Ásia Menor e na Palestina e Síria, unindo os fiéis na caridade e ensinando-lhes o louvor a Deus, a obediência e a docilidade à ação do Espírito Santo.
A presença materna de Maria, desde o trono de glória onde Ela está, assunta ao céu em corpo e alma, é hoje a grande riqueza da Igreja. Na Igreja - Corpo Místico de Cristo - Maria vê a permanência, ao longo dos séculos, do mesmo mistério de amor que um dia se realizou misteriosamente em seu ventre virginal. Esse mistério continua na graça redentora de seu Filho Ressuscitado, vencedor do pecado e da morte, e na ação santificadora do mesmo Espírito que um dia a fecundou com seu poder e hoje segue derramando o amor de Deus nos corações dos homens (Rm 5,5). Na Mãe de Jesus Cristo, o Povo de Deus, em especial aqueles que a Ela se consagram, descobrem o caminho seguro para encontrar o Salvador e seguir seus passos.
 (2)
Apresentação do Senhor
Afresco de Giotto na Capela Scrovegni, em Pádua.


Nas suas meditações o Beato John Newman (3) assim se expressa:

Cada um dos títulos de Maria tem seu significa e objetivo especial e deve ser objeto de uma meditação própria. Nós a invocamos como a "Mãe de Cristo". Qual o objetivo de designá-la dessa maneira? É para nos mostrar que ela foi aquela que desde o início foi profetizada e associada às esperanças e orações de todos os santos homens, dos verdadeiros adoradores de Deus, de todos aqueles que "em Jerusalém esperavam a libertação" (Lc 2, 38), em todas as épocas, antes que a redenção viesse.
Nosso Senhor era chamado o "Cristo" ou o "Messias" pelos profetas e pelo povo judeu. As duas palavras, Cristo e Messias, têm o mesmo sentido. Significam "o ungido". No tempo antigo, existiam três grandes ministérios ou funções por meio das quais Deus falava ao Seu povo escolhido, os Israelitas, ou, como depois denominados, Judeus. Os ministérios do Sacerdote, do Rei, e do Profeta, aqueles escolhidos por Deus para uma ou outra destas funções, eram solenemente ungidos com óleo, com a graça de Deus, que era a eles outorgada para o desempenho adequado de seus altos deveres. Mas Nosso Senhor possuía os três ministérios: era um Sacerdote, um Profeta e um Rei. Um Sacerdote, porque ofereceu a si mesmo como sacrifício por nossos pecados; um Profeta, por nos ter revelado a sagrada Lei de Deus; e um Rei, porque ele domina sobre nós. Assim, ele é o verdadeiro Cristo.
Foi na expectativa desse grande Messias que o povo escolhido, os Judeus, Israelitas ou Hebreus (para estes há diferentes nomes para o mesmo povo), vigiavam através das épocas. E junto a esta grande questão, a qual ocupava suas mentes, isto é, "quando" ele viria, "quem" viria a ser sua mãe? Havia sido dito a eles que nasceria de uma "mulher". Na época da Queda de Adão, Deus havia dito que a "semente" da "mulher" esmagaria a cabeça da serpente. Quem, então, seria aquela mulher tão significativamente sinalizada para a raça caída de Adão?
Ao final de muitos séculos, foi posteriormente revelado aos judeus que o grande Messias, ou Cristo, nasceria de sua raça, e particularmente de uma das doze tribos nas quais aquela raça fora dividida. Desde aquele tempo, cada mulher daquela tribo ansiava pelo privilégio de ser ela própria a Mãe do Messias, do Cristo. Por isso, era lógico, já que Ele era tão importante, que a Mãe deveria ser importante, boa e também abençoada. Por isso, entre outras razões, eles tinham em elevada consideração o matrimônio, pois, não sabendo do mistério da concepção miraculosa do Cristo quando Ele efetivamente viesse, pensavam que o ritual do matrimônio era o sacramento necessário para Sua vinda.
Isso posto, se Maria fosse igual às outras mulheres, ela deveria cobiçar o casamento, como meio de lhe proporcionar a possibilidade de carregar em si o grande Rei. Mas ela era muito humilde e pura para tais pensamentos. Ela havia sido inspirada a escolher a melhor maneira de servir a Deus, conhecimento que não havia sido dado aos judeus, o estado de Virgindade. Ela preferiu ser sua Esposa do que sua Mãe. Consequentemente, quando o anjo Gabriel anunciou a Maria seu importante destino, ela retraiu-se até estar certa que isso não a obrigaria revogar o seu propósito de uma vida casta e devota a seu Deus.
Foi assim que ela se tornou a Mãe do Cristo. Não da maneira que por tanto tempo mulheres piedosas esperavam por Ele, mas, declinando da graça de tal maternidade, ela a ganhou por meio de uma graça maior. E este é o pleno significado das palavras de Santa Isabel quando a Bem-Aventurada Virgem foi visitá-la, e as quais usamos na oração: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre". E, portanto, é chamada na Devoção de "Coroa de Doze Estrelas"
(4), que damos louvor a Deus Espírito Santo por meio de Maria, ao mesmo tempo Virgem e Mãe.
"Invocar Maria como a mãe de Cristo é de certa forma o único modo de dizer em poucas palavras todo o mistério divino oculto nessa mulher "humilde e mais alta que toda criatura", mulher como todas as mulheres, mulher única em toda a história da humanidade" (5).










Notas:

1 - RANGEL, 1991, pg 19s.
2 - VAZ, 2005, pg 28ss.
3 - NEWMAN, 2015, pg 71ss.
4 - Nota do Tradutor: "A referência bíblica a esta devoção encontra-se em Apocalipse 12,1: "Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida de sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas". Doze é o número da perfeição, simboliza as doze tribos do Antigo Testamento e os doze Apóstolos no Novo Testamento. Nessa devoção, o número doze, as doze estrelas, refere-se às graças, privilégios e carismas recebidos de Deus por Nossa Senhora; uma estrela para cada uma de suas perfeições. As perfeições de Nossa Senhora são recitadas ou cantadas em Ladainha ou são objeto de leituras ou meditações.
5 - BASADONNA, 2000, pg 69.




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