sexta-feira, 20 de maio de 2016

Santa Virgem das Virgens

Sancta Virgo virginum, ora pro nobis.



Porém uma é a minha pomba, a minha imaculada, a única de sua mãe, e a mais querida daquela que a deu à luz; viram-na as filhas e chamaram-na bem-aventurada, as rainhas e as concubinas louvaram-na.(Cânticos 6:9)



"Esta invocação é uma das mais ricas em significado entre aquelas com que a Santa Igreja venera Maria Santíssima na tradicional e popular oração da Ladainha de Nossa Senhora", diz Dom José de Lima Vaz (1). É "como o descortinar de um horizonte novo, de onde procede luz puríssima que ilumina toda a vida humana dando-lhe aspecto novo. Existe na história da humanidade uma mulher que é mãe e virgem, que recebeu de Deus o dom imenso de poder realizar plenamente as possibilidades femininas", para Basadonna (2). 
"Virgem das virgens", ou "Rei dos reis", são expressões com que os orientais expressam o superlativo - a "supervirgem", o "super-rei" (3).  Acima de qualquer outro(a).
De fato, Maria é a Virgem por excelência entre todas as virgens. É Aquela que, de modo perfeito - no que é possível a uma criatura humana 0, pertenceu completamente a Deus, entregou-se toda, de coração indiviso, ao Senhor Altíssimo. Em sua virgindade sem mancha, Maria realizou aquela perfeição de amor e santidade que Deus esperava e pedia de seu Povo Eleito, da Virgem de Israel. Maria representou, portanto, o estágio último e mais elevado do longo processo de purificação e santificação com que, ao longo dos séculos, o Pai foi progressivamente preparando seu povo para acolher o Filho Divino, enviado como Redentor na plenitude dos tempos. Assim, em Maria cumpriu-se o sinal da Virgem, a predição profética de Isaías da chegada do Deus-conosco: "Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um Filho ao qual chamará Emanuel, que significa Deus-conosco (Mt 1, 23 citando Is 7, 14).
A virgindade de Maria foi sempre professada pela fé da Igreja. Os mais antigos símbolos da fé usam sempre a expressão "nasceu da Virgem Maria" (ex Maria Virgine, ek Marias tés parthénou). Alguns, porém, como o Símbolo de Santo Epifânio de Salamina (374) ou o Símbolo atribuído a Santo Atanásio de Alexandria (373), falam na "sempre Virgem Maria" (ek Marias tès aeiparthénous).
São muitos os documentos que, desde a Antiguidade, atestam a crença da Igreja na virgindade permanente de Maria. É uma virgindade "antes, durante e depois do parto", como explicam os teólogos. Pela precisão das palavras e dos conceitos, é muito expressiva a doutrina proposta pelo Concílio de Latrão, convocado em Roma pelo papa São Martinho (649): "Se alguém não confessa que a Santa Mãe de Deus, a sempre virgem e imaculada Maria, concebeu no tempo, sem participação do homem, por obra do Espírito Santo, de modo especial e verdadeiro, o Verbo de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, e O deu à luz sem qualquer corrupção, permanecendo sua virgindade intocada no parto e depois do parto, que este seja condenado!". Outra expressão muito clara é a do IV Concílio de Toledo na Espanha (485), que fala que somente o "Cristo, Filho de Deus, nasceu da Virgem Maria", ou a do XVI Concílio de Toledo (693): "como Virgem concebeu, permanecendo Virgem deu à luz e, após o parto, conservou intacta da corrupção sua pureza virginal".
A virgindade perpétua de Maria é uma verdade que se deve aceitar com amor e simplicidade de coração. Procurar para ela explicações biológicas ou outras motivações de ordem puramente natural carece de qualquer sentido. A verdade é que o nascimento de Jesus está envolto no mistério da maternidade virginal de Maria. Há uma expressão muito bela do Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 57 (1964): "o Filho de Maria não violou mas consagrou sua integridade virginal".
Somente as seitas ou confissões mais recentes é que, numa leitura literal e preconceituosa das passagens bíblicas, sem conheceu o sentido aramaico ou grego das palavras originais, a contestam. Como exemplo a expressão "irmãos de Jesus" (Mt 12, 46-50; 13, 55; Mc 3, 31-35; 6, 5; Lc 8, 19-21; Jo 7, 3-10; At 1, 14). Não sabem que a palavra "irmãos" ("adelphói", em grego. "àhim", em hebraico) possui um sentido mais amplo e é aplicada em inúmeras passagens no Antigo Testamento (Ex 2, 11; 4, 18; Lv 21, 10; 25, 46; Nm 30, 3; Dt 1, 28; 2, 4-8; 17, 7; 15, 12; 18, 15; 1Sm 30, 23; 2Sm 19, 13 e muitas outras) e também nos Evangelhos (Mt 25, 40; Lc 22, 32; Jo 20, 17, 21, 35). Não deixa de ser lamentável presunção querer interpretar literalmente a Sagrada Escritura sem conhecer a língua em que foi escrita e o ambiente cultural da ápoca - esse ambiente é que determinava o significado das palavras!
Outro exemplo citado por quem contesta a virgindade de Maria é a expressão do Evangelho de São Lucas, ao falar do nascimento de Jesus: "Maria deu à luz seu Filho primogênito" (Lc 2, 7). O adjetivo "primogênito" - "prototókos" - não quer dizer que Jesus foi o primeiro, tendo Maria outros filhos depois. Ele possui um significado especial. A primogenitura conferia aos filhos dos judeus uma dignidade especial. Jesus era o "bem-amado de Deus", a Ele consagrado, recordando o castigo que Deus dera aos opressores egípcios com a morte de seus primogênitos (Ex 12, 29-30). "Primogênito" pode também significar o Filho Único, o Unigênito - como se lê na Carta aos Hebreus: "quando introduz o Primogênito no mundo, diz-lha: Adorem-No todos os anjos de Deus" (Hb 1, 6).
A virgindade perfeita e permanente de Maria, a Mão de Jesus, sempre exerceu um grande fascínio na Igreja e entre os fiéis. Ela representa a mais perfeita demonstração de um amor radical a Deus, de entrega a Ele de toda a vida pela consagração do que há de mais profundamente enraizado no seu humano: o desejo e a capacidade de amar. Em Maria, o amor maior e primeiro é absoluto, sem reserva, sem partilha, um amor indiviso. Na virgindade de Maria se inspiraram cristãos e cristãs que se entregaram a Deus pela vida consagrada. Mesmo aqueles cujo amor a Deus precisou de mediação de outra pessoa na vida matrimonial não deixam de ver na virgindade de Maria um dom singular à Igreja e ao Povo de Deus. Ela recorda a cada um a vocação de todos para a santidade. (4)


Escreveu São Luís M. Grignion de Monfort:
Foi pela Santíssima Virgem que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que deve reinar no mundo.

Durante a vida, Maria permaneceu muito oculta. É por isso que o Espírito Santo e a Igreja lhe chamam ALMA MATER, Mãe escondida e secreta. A sua humildade foi tão profunda, que não teve na terra atrativo mais poderoso nem mais poderoso nem mais contínuo que o de se esconder a si mesma e a toda a criatura, para que só Deus a conhecesse. (In, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem)
E continua:
16 – Deus Pai não deu ao mundo o seu Unigênito senão por Maria. Por mais ardentes que fossem os suspiros dos patriarcas e as súplicas que durante quatro mil anos lhe fizeram os profetas e os santos da Antiga Lei para obterem esse tesouro, só Maria o mereceu. Só Ela encontrou graça diante de Deus pela força das suas orações e pela grandeza das suas virtudes. Diz Santo Agostinho que, não sendo o mundo digno de receber o Filho de Deus diretamente das mãos do Pai, este o deu a Maria, para que os homens o recebessem por Ela. O Filho de Deus fez-se homem para nos salvar, mas foi em Maria e por Maria. Deus Espírito Santo formou Jesus Cristo em Maria, mas só depois de lhe ter pedido o consentimento por um dos primeiros ministros da sua corte.  17 – Deus pai, para dar a Maria o poder de produzir o seu Filho e todos os membros do seu Corpo Místico, comunicou-lhe a sua fecundidade, na medida em que uma simples criatura a podia receber.  18 – Como o novo Adão ao seu paraíso terrestre, assim desceu Deus Filho ao seio virginal de Maria para aí achar as suas delícias e operar, às escondidas, maravilhas de graça. O Deus feito homem encontrou a sua liberdade em se ver aprisionado no seio dela; fez brilhar a sua força, deixando-se levar por essa jovem virgem. Achou a sua glória e a de seu Pai, escondendo os seus esplendores a todas as criaturas da terra, para só os revelar a Maria; glorificou a sua independência e majestade, dependendo desta amável virgem na sua concepção, nascimento, apresentação no templo, na sua vida oculta de trinta anos e, até, na sua morte. Maria devia assistir a essa morte, porque Jesus quis oferecer com ela um mesmo sacrifício e ser imolado à vontade de Deus pelo consentimento de Abraão. Foi Ela que o amamentou, nutriu, sustentou, criou e sacrificou por nós… Ó admirável e incompreensível dependência de um Deus! Nem o Espírito Santo a pôde ocultar no Evangelho para nos mostra o seu valor e glória infinita, embora tenha escondido quase todas as maravilhas operadas pela Sabedoria encarnada durante a sua vida oculta. Jesus Cristo deu mais glória a Deus Pai pela sua submissão a Maria durante trinta anos do que lhe teria dado se convertesse toda a terra operando os maiores prodígios. Oh! Quão altamente glorificamos a Deus, quando nos submetemos, para lhe agradar, à Virgem Santíssima, a exemplo de Jesus Cristo, nosso único modelo!  19 – Se examinarmos de perto o resto da vida de Jesus, veremos que Ele quis iniciar os seus milagres por Maria. Santificou São João no seio de sua mãe, Santa Isabel, pela palavra de Maria. Logo que Ela falou, João ficou santificado; e este foi o primeiro milagre de Jesus na ordem da graça. Nas bodas de Caná, Jesus mudou a água em vinho, atendendo ao humilde pedido de sua Mãe; e este foi o seu primeiro milagre na ordem natural. Começou e continuou os seus milagres por Maria; por Ela os continuará até ao fim dos séculos.  20 – Sendo o Espírito Santo estéril em Deus, isto é, não produzindo nenhuma outra Pessoa divina, tornou-se fecundo por Maria, a quem desposou. Foi com Ela e nela e dela que formou a sua obra prima: um Deus feito homem, e que forma todos os dias até ao fim dos séculos, os predestinados e os membros do corpo que tem por cabeça o adorável Jesus. É por isso que, quando mais numa alma Ele encontra Maria, sua amada e inseparável esposa, tanto mais operante e poderoso se torna para produzir Jesus Cristo nessa alma e essa alma em Jesus Cristo.  21 – Não se quer dizer com isto que a Santíssima Virgem dê ao Espírito Santo a fecundidade, como se Ele a não tivesse. Ele é Deus e, por isso, possui a fecundidade (ou a capacidade de produzir) tal como o Pai e o Filho, embora a não transforme em ato, produzindo outra pessoa divina. O que se quer dizer é que o Espírito Santo reduz a ato a sua fecundidade por intermédio da Santíssima Virgem. Mas o Espírito Santo quer servir-se dela, embora disso não tenha uma necessidade absoluta, para produzir nela e por Ela Jesus Cristo e os seus membros. 
Mistério de graça, escondido mesmo aos cristãos mais sábios e mais espirituais!

O' Maria, com que coroa cingirei a vossa nobre fronte! (S. João Damasceno) 

Notas:

1 - VAZ, 2005, pg. 25.
2 - BASADONNA & SANTARELLI, 2000, pg. 68.
3 - Confira VAZ, op. cit.
4 - Idem, ibidem, 25s

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