sexta-feira, 20 de maio de 2016

Santa Maria

Sancta Maria, ora pro nobis.

Sê bendita de teu Deus em todas as tendas de Jacó, porque o Deus de Israel será glorificado por causa de ti entre todas as nações que ouvirem o teu nome. (Judite 13: 30)
... e o nome da virgem era Maria. (Lc 1; 26-28)



Maria, era o nome da virgem. A origem deste nome, contudo, é obscura até hoje (1). Os etimologistas ainda não chegaram a um acordo sobre o seu significado. São dezenas de hipóteses formuladas. Não nos atreveremos a escolher uma delas. Deixe-mo-la assim: cercada com o encanto do mistério.

Estamos mais acostumados com Maria, a Mãe de Jesus, do Novo Testamento, nos escritos dos apóstolos, e nestes, em poucas passagens. Não se fala muito de Maria no Novo Testamento, pelo menos é o que parece numa primeira vista. Contudo, Maria, a Nova Eva, é, segundo a Sagrada Tradição, prefigurada em inúmeras passagens e personagens do Antigo Testamento: uma delas é em Judite (2), citada na epígrafe deste capítulo. Mas são muitas outras. O livro Mariology: A Guide for Priests, Deacons, Seminarians, and Consecrated Persons (3) elenca várias: Ester, Sara, Rebeca, Rute, etc. 
Estava, pois, ali um vaso cheio de vinagre. E encheram de vinagre uma esponja, e, pondo-a num hissopo, lha chegaram à boca.E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. (João 19:28-30)
Passemos às considerações sobre a Ladainha de Nossa Senhora, propriamente dita: aos títulos sob os quais a Virgem Maria é invocada.

A Ladainha em louvor a Nossa Senhora começa proclamando a santidade da Virgem, a santidade e beleza de seu nome, diz o Padre Paschoal Rangel (4), Fácil de constatar, mas cabe reforçar, aqui: "santidade e beleza"

John Newman dirá que somente Deus pode reivindicar os atributos da santidade, e continua:
Vemos, então, agora a força do título de Nossa Senhora quando a chamamos de “Santa Maria”. Quando Deus preparava uma mãe humana para Seu filho, este foi o motivo pelo qual Ele lhe concedeu uma Imaculada Conceição. Ele começou não por dar-lhe os dons do amor, ou veracidade, ou docilidade, ou devoção, embora, quando necessário, ela já os tinha todos. Deus começou sua grande obra antes de seu nascimento; a fez santa antes que ela pudesse falar, pensar ou agir e, deste modo, enquanto na terra, uma cidadã do céu. (5).
Em sintonia, Padre P. Rangel explica:
Santo é aquilo que é consagrado a Deus. Consagrar é unir alguém ou alguma coisa ao que é sagrado (con-sagrar); é destiná-los a Deus, ao divino, de modo especial. É assim Maria. Ligada definitivamente a Deus desde a concepção; pensada, querida, amada por Deus desde a eternidade para ser sua Mãe, ela seria (e foi) uma criatura con-sagrada (...) Mas é o Senhor quem toma a iniciativa, é Ele que estabelece, firma, consolida esse “estar-com” (6).
E assim, podemos entender claramente as palavras do anjo Gabriel: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1: 28).

O Padre Antônio Vieira, "espantado" por quantas vezes os anjos perguntam “quem é esta?”, e sabendo que a resposta seria "Maria", se pergunta o porquê, e ele mesmo responde: Quem não pergunta por ignorância pergunta por gosto; e é tanto o gosto que todos os espíritos angélicos recebem em ouvir pronunciar o nome de Maria que só porque lhe respondem que é Maria perguntam tantas vezes (7).
E não só os anjos do céu, senão os que neste mundo guardam os homens, quando algum nomeia e invoca o nome de Maria, logo se chegam mais a ele para o ouvir de mais perto, e lhe assistem com maior cuidado: "Angeli etiam boni audito hoc nomine statim appropinquant mugis justis". – De sorte que, para fazermos mais nossos os nossos anjos da guarda, e sermos mais benevolamente assistidos deles, a melhor oração, e o maior obséquio que lhes podemos fazer é nomear muitas vezes o nome de Maria (8).
Repetir este nome em atitude devota e respeitosa, anota Santarelli (9), gera na alma sensação de paz e estimula a opções mais corajosas em sintonia com a mensagem evangélica. E que a invocamos porque reconhecemos sua grandeza expressando-lhe nossa admiração, porque queremos agradecer a Deus pelas maravilhas que operou nessa mulher fazendo dela sinal do que ele opera em prol de cada mulher e de cada criatura.

Assim, apesar de não sabermos ao certo a origem deste nome, Maria, iniciamos a Ladainha com este gesto de "intimidade", pronunciando-o. Mas, esta não é uma Maria qualquer, e também, de início a Ladainha o destaca: esta Maria é Santa. E, também, não uma santa qualquer - como ao longo da história se fizeram muitos -, mas, aquela destinada deste o princípio a ser a Theotokos (10), a Mãe de Deus. E foi Este que do alto da cruz destinou-a para ser, também, a Nossa Mãe, a Nossa Senhora:

Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho.Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa. (João 19:26,27)

Niterói, 26 de maio de 2016
Solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sanque de Cristo



Notas:

(1) - The Name of Mary. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company. Acessado em 25 e Maio de 2016.
(2) - O que nos interessa é saber porque a Sagrada Tradição vê nestas passagens e personagens a figura da Virgem Maria. Ora, o Antigo Testamento é, todo ele, como que uma "preparação" para o Novo Testamento, e este como que uma consumação daquele:
Depois, sabendo Jesus que já todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura se cumprisse, disse: Tenho sede.
Assim, ler o Antigo e o Novo Testamento sem este entendimento, se não provoca falhas e erros na interpretação, pelo menos a torna menos compreensível e pobre. O que fez Judite, então, para a enxergarmos como uma prefiguração da Virgem Maria? Tomemos emprestado um resumo de sua história, embora seja mais interessante ler o Livro de Judite. A história é a seguinte:
“Nabucodonosor, rei de Nínive, envia seu geral Holofernes para subjugar os judeus. O último assedia-os em Betúlia, uma cidade à beira do sul da planície de Esdrelon. Achior, o amonita, que fala em defesa dos judeus, é maltratado por ele e enviado para a cidade sitiada para aguardar sua punição feita por Holofernes. A fome mina a coragem dos encurralados e eles resolvem se rendem, mas Judite, uma viúva, repreende-os e diz que vai deixar a cidade. Ela vai para o acampamento dos assírios e Holofernes cativo pela sua beleza, e finalmente, tira proveito da intoxicação do general para cortar-lhe a cabeça. Ela retorna para a cidade inviolada com a cabeça como um troféu, e um ataque, por parte dos judeus, resulta no alvoroço dos assírios. O livro termina com um hino ao Todo-Poderoso feito por Judite para comemorar sua vitória” (In, POPE, Hugh. “Estudo sobre o Livro de Judite. The Catholic Encyclopedia. Vol. 8. New York: Robert Appleton Company, 1910. Tradução de Rafael Rodrigues).
Assim, a Sagrada Tradição vê em Judite uma metáfora e uma prefiguração da Virgem Maria: esta mulher que "aparece como a alva do dia, formosa como a lua, brilhante como o sol, terrível como um exército com bandeiras" (Cânticos 6:10), para citar outra passagem que a prefigura. Ela, sozinha, vale por um terrível "exército em ordem de batalha" (numa outra tradução da Bíblia). Esta mulher corajosa que, com o as graças do Todo-poderoso, enfrentou o perigoso inimigo e o venceu, assim como Maria o fará contra o inimigo do gênero humano. De quem já no Gênesis, Deus falara, ao advertir a serpente:
Porei ódio entre ti e a mulher [Maria], entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu ferirás o calcanhar. (Gênesis 3: 15).
(3) BURKE, 2008
(4) RANGEL, 1991, pg 15
(5) NEWMAN, 2015, pg 52
(6) Op. cit., pg 15
(8) Idem, ibidem.
(9) SANTARELLI, 2000, pg 60
(10) Do título de "Mãe de Deus" derivam depois todos os outros títulos com que a Igreja honra Nossa Senhora, mas este é o fundamental, como afirmou o Papa Bento XVI na Audiência Geral de 2 de Janeiro de 2008, na Sala Paulo VI.


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