sexta-feira, 20 de maio de 2016

Santa Mãe de Deus

Sancta Dei Genetrix, ora pro nobis


                         ... e deu à luz a seu filho primogênito...(Lucas 2:7)




Se Deus ama tudo em uma ordem perfeita, e se já é tão imenso o amor que êle dedica às simples criaturas, quem avaliará o amor que êle tem àquela que foi por êle predestinada para ser sua própria Mãe? Se Deus, diz Sto. Agostinho, nos ama porque somos os membros daquele que êle ama, e se, por esta causa, êle nos amou antes que existíssemos, eu direi que êle ama a Maria mais que todos os outros, porque ela é a Mãe de seu Filho único, e, por esta causa, êle ama a Maria mais que todas as outras criaturas, porque êle queria, com efeito, que ela fosse a Mãe de seu Filho único. (1) (2)

Do título de "Mãe de Deus" derivam depois todos os outros títulos com que a Igreja honra Nossa Senhora, mas este é o fundamental. Pensemos no privilégio da "Imaculada Conceição", isto é, no facto de Ela ser imune ao pecado desde a sua conceição: Maria foi preservada de qualquer mancha de pecado porque devia ser a Mãe do Redentor. O mesmo é válido para o título da "Assunção": Aquela que tinha gerado o Salvador não podia estar sujeita à corrupção derivante do pecado original. E sabemos que todos estes privilégios não são concedidos para afastar de nós Maria, mas ao contrário, para a tornar mais próxima; de facto, estando totalmente com Deus, esta Mulher está muito próxima de nós e ajuda-nos como mãe e como irmã. Também o lugar único e irrepetível que Maria ocupa na Comunidade dos crentes deriva desta sua vocação fundamental para ser a Mãe do Redentor. Precisamente como tal, Maria é também a Mãe do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja. Justamente por isso, durante o Concílio Vaticano II, a 21 de Novembro de 1964, Paulo VI atribuiu solenemente a Maria o título de "Mãe da Igreja". (A divina maternidade de Maria – Bento XVI )



1 - A Maternidade divina de Maria (Frei Clarêncio Neotti, OFM)

O primeiro dos quatro dogmas marianos é o da maternidade divina de Maria. Primeiro, historicamente. Primeiro, como razão de todos os outros. O dogma que declara verdade de fé que Maria é Mãe de Deus foi proclamado pelo Concílio de Éfeso, no ano 431. Maria recebeu o nome de “Theotokos”, palavra grega que diz exatamente “Mãe de Deus”, e foi julgado insuficiente o título de “Christotokos”, ou seja “Mãe de Cristo”.
A controvérsia era chefiada, de um lado, pelo Patriarca de Constantinopla, Nestório, bispo famoso como orador sacro, como líder e organizador, como conhecedor das Escrituras; por outro lado, o Patriarca de Alexandria, Cirilo, também exímio pregador, teólogo refinado, excelente bispo. Ambos tinham seguidores bispos, padres, leigos.
Nestório ensinava que Maria era só mãe do Cristo-homem, porque lhe parecia absurdo uma criatura ser mãe do criador. Cirilo contestava com veemência, afirmando que não podia haver dois Cristos, um homem e outro Deus. E havendo um Cristo só, embora com duas naturezas inseparáveis, Maria era mãe do Cristo-homem e mãe do Cristo-Deus, portanto sua maternidade era tão divina quanto humana, ela era verdadeiramente “Theotokos”, Mãe de Deus. O Concílio deu razão a Cirilo e declarou herética a posição de Nestório que, humildemente, se retirou da vida pública e voltou à vida que levava antes de ser bispo e patriarca, a vida de monge.




Na carta encíclica “Fulgens Corona”, com que o Papa Pio XII comemorou os cem anos do dogma da Imaculada Conceição, vem lembrado que a maternidade divina de Maria constitui a mais alta missão, depois da que recebeu o Cristo, na face da terra, e que esta missão exige a graça divina em toda a sua plenitude. Continua o Papa: “Na verdade, desta sublime missão de Mãe de Deus nascem, como duma misteriosa e limpidíssima fonte, todos os privilégios e graças, que adornam, duma forma admirável e numa abundância extraordinária, a sua alma e a sua vida. Por isso, com razão declara Santo Tomás de Aquino que a Bem-Aventurada Virgem Maria, pelo fato de ser Mãe de Deus, recebe do bem infinito, que é Deus, uma certa dignidade infinita” (n.10).
Depois de Cristo, a maior e mais excelsa missão na terra; por causa de Cristo, revestida de uma certa dignidade infinita: mais não se pode dizer de uma criatura, privilegiada, plena da graça divina, mas sempre criatura, sempre mulher de carne e sangue. A partir do Concílio de Éfeso, a maternidade divina de Maria é doutrina constante e unânime na Igreja. Repete-a o Concílio Vaticano II, na Constituição Lumen Gentium: “A Virgem Maria, que na Anunciação do anjo, recebeu o Verbo de Deus no coração e no corpo e trouxe ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus e do Redentor” (n. 53).
Acrescenta a Lumen Gentium: “Unida a Cristo por um vínculo estreito e indissolúvel, é dotada da missão sublime e da dignidade de ser Mãe do Filho de Deus, e, por isso, filha predileta do Pai e sacrário do Espírito Santo. Por este dom de graça exímia supera de muito todas as outras criaturas, celestes e terrestres” (n. 53). São Francisco, em sua singela e belíssima oração, intitulada “Saudação à Mãe de Deus”, expressa a mesma verdade, com palavras embebidas de ternura: “Salve, ó Senhora santa, Rainha santíssima, Mãe de Deus, ó Maria, que sois virgem feita igreja, eleita pelo santíssimo Pai celestial, que vos consagrou por seu santíssimo e dileto filho e o Espírito Santo Paráclito! Em vós residiu e reside toda a plenitude da graça e todo o bem!”.
Lucas, o Evangelista mariano, procurou contar em palavras humanas o momento estupendo e inefável da Encarnação de Deus no seio de Maria. O dogma da maternidade divina de Maria está estreitamente ligado ao dogma da Encarnação do Filho de Deus. A partir daquele momento, o mistério e a missão de Cristo – Deus-homem e homem-Deus – une-se para sempre ao mistério e à missão de Maria de Nazaré. O mistério e a missão de Maria, porém, só têm sentido no mistério e na missão de seu Filho. Jesus, autor da Graça, toma carne daquela que ele plenificara de Graça já antes da Anunciação. Criaturas humanas e criaturas angelicais olham extasiadas o fato inimaginável: uma mulher ser genitora de seu genitor e a saúdam como filha de seu filho.
Maria é chamada pelo anjo de “cheia de graça”, porque “a Encarnação do Verbo, a união hispostática do Filho de Deus com a natureza humana se realiza e se consuma precisamente em Maria” (João Paulo II, encíclica Redemptoris Mater, n. 9).
São Bernardo, num de seus sermões sobre a Anunciação, demora-se em observar Maria no exato momento de seu sim à maternidade divina, um sim que mudaria os rumos da história, que recriaria o mundo, que possibilitaria uma nova e eterna comunhão entre Deus e as criaturas. Transcrevo um trecho: “Ó Virgem piedosa, o pobre Adão, expulso do paraíso com sua mísera descendência, implora a tua resposta. Implora-a Abraão, implora-a Davi; e os outros patriarcas, teus antepassados… suplicam esta resposta. Toda a humanidade, prostrada a teus pés, a aguarda. E não é sem razão, pois do teu consentimento depende o alívio dos infelizes, a redenção dos cativos, a libertação dos condenados, a salvação de todos os filhos e filhas de Adão, de toda a tua raça. Responde depressa, ó Virgem! Pronuncia, ó Senhora, a palavra esperada pela terra, pelos infernos e pelos céus. O próprio Rei e Senhor de todos, tanto quanto cobiçou a tua beleza, deseja agora a tua resposta afirmativa, porque por ela decidiu salvar o mundo. Agradaste a ele pelo silêncio, muito mais lhe agradarás pela palavra … Se tu lhe fizeres ouvir a tua voz, ele te fará ver a nossa salvação”.
Este trecho não só é retoricamente bonito, mas também nos ensina como Deus respeitou a liberdade de Maria. Não lhe impôs a maternidade divina. Predestinou-a, mas lhe pediu o consentimento. Elegeu-a desde antes da criação do mundo, ornou-a com todas as bênçãos e graças, mas aguardou seu sim, sua disponibilidade.
O sim de Maria veio acompanhado de uma declaração de humildade: “Sou a serva do Senhor” (Lc 1,38). Volto a citar São Bernardo: “Que sublime humildade é esta que não soube ceder às honras e não sabe orgulhar-se na gloria! É escolhida para ser a Mãe de Deus e se proclama a serva. É certamente sinal de grande humildade não se esquecer de ser humilde quando é oferecida tamanha glória. Não é grande coisa mostrar-se humilde quando se é desprezado; ao contrário, é virtude insigne e rara ser humilde quando se é honrado”.
Com o sim de Maria, o Filho de Deus assumiu a carne humana; “subsistindo na condição de Deus, não se apegou à sua igualdade com Deus, … tornou-se solidário com os seres humanos e apresentou-se como simples homem” (Fl 2,6-7). A paternidade de Deus une-se para sempre à maternidade da jovem Maria de Nazaré. O “faça-se” de Deus ao criar o universo soma-se ao “faça-se” de Maria para recriar, em seu Filho, todas as coisas na face da terra. Em Jesus Cristo, Messias e Salvador, não se separam mais a paternidade de Deus, que fecundou Maria mediante o Espírito Santo, e a maternidade de Maria, que acreditou no convite.
O “faça-se” de Maria encerra o tempo da espera; as criaturas, tendo à frente o Filho de Deus concebido no seio virginal de uma mulher, entram na “plenitude dos tempos” (Gl 4,4): “pelo ingresso do eterno no tempo, do divino no humano, o próprio tempo foi redimido e, tendo sido preenchido pelo mistério de Cristo, se torna definitivamente tempo de salvação” (Redemptoris Mater, 1). Maria tornou-se assim, como diz o Prefácio da festa da Imaculada, o início, as primícias da Igreja.
Estamos diante de vários mistérios unidos, que perfazem o grande e inaudito mistério da salvação. É estupendo, mas verdadeiro. É inédito e acima de qualquer inteligência humana, mas é obra, graça e vontade de Deus e, como afirmou o anjo na hora da Anunciação, “para Deus, nada é impossível” (Lc 1,37).
Embevecido diante do mistério da maternidade divina de Maria, São Boaventura (+1274), compôs um longo hino de louvor à maneira do Te Deum. Destaco alguns versos:”Os coros dos anjos, com vozes incessantes, te proclamam: santa, santa, santa, ó Maria, Mãe de Deus, mãe e virgem ao mesmo tempo! Os céus e a terra estão cheios da majestade vitoriosa do Fruto do teu ventre! O glorioso coro dos apóstolos te aclama Mãe do Criador! Celebram-te todos os profetas, porque deste à luz o próprio Deus! A imensa assembléia dos santos mártires te glorifica como Mãe do Cristo. A multidão triunfante dos confessores prostra-se diante de ti, porque és o Templo da Trindade!”.



Uma vez admitido, com efeito, perante os numerosos testemunhos oferecidos pelos textos sagrados e dos Santos Padres, e recordados na mencionada Constituição, que Maria, «Mãe de Deus Redentor» (cfr. Lumen Gentium, 53) foi a Ele unida por «vínculo estreito e indissolúvel» (ibid.) e que teve uma especialíssima «função ... no Mistério do Verbo Incarnado e do Corpo Místico» (L.G. 54), quer dizer na «economia da salvação» (L.G. 55), parece evidente que a Virgem, não só «por ser a Mãe Santíssima de Deus, e como tal haver interferido nos mistérios de Cristo» (L.G. 66), mas também por ser «Mãe da Igreja», é pela mesma Igreja venerada «com culto especial» (cfr. L.G. 66), particularmente litúrgico (cfr. L.G. 67).




Das Homilias de São Beda, o Venerável, presbítero


(Lib. 1,4: CCL 122,25-26.30)                (Séc.VIII)

Maria engrandece o Senhor que age nela
            
Minha alma engrandece o Senhor e exulta meu espírito em Deus, meu Salvador (Lc 1,46). Com estas palavras, Maria reconhece, em primeiro lugar, os dons que lhe foram especialmente concedidos; em seguida, enumera os benefícios universais com que Deus favorece continuamente o gênero humano.

Engrandece o Senhor a alma daquele que consagra todos os sentimentos da sua vida interior ao louvor e ao serviço de Deus; e, pela observância dos mandamentos, revela pensar sempre no poder da majestade divina. Exulta em Deus, seu Salvador, o espírito daquele que se alegra apenas na lembrança de seu Criador, de quem espera a salvação eterna.

Embora estas palavras se apliquem a todas as almas santas, adquirem contudo a mais plena ressonância ao serem proferidas pela santa Mãe de Deus. Ela, por singular privilégio, amava com perfeito amor espiritual aquele cuja concepção corporal em seu seio era a causa de sua alegria.

Com toda razão pôde ela exultar em Jesus, seu Salvador, com júbilo singular, mais do que todos os outros santos, porque sabia que o autor da salvação eterna havia de nascer de sua carne por um nascimento temporal; e sendo uma só e mesma pessoa, havia de ser ao mesmo tempo seu Filho e seu Senhor.

O Poderoso fez em mim maravilhas, e santo é o seu nome! (Lc 1,49). Maria nada atribui a seus méritos, mas reconhece toda a sua grandeza como dom daquele que, sendo por essência poderoso e grande, costuma transformar os seus fiéis,pequenos e fracos, em fortes e grandes.

Logo acrescentou: E santo é o seu nome! Exorta assim os que a ouviam, ou melhor, ensinava a todos os que viessem a conhecer suas palavras, que pela fé em Deus e pela invocação do seu nome também eles poderiam participar da santidade divina e da verdadeira salvação. É o que diz o Profeta: Então, todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo (Jl 3,5). É precisamente este o nome a que Maria se refere ao dizer: Exulta meu espírito em Deus, meu Salvador.

Por isso, se introduziu na liturgia da santa Igreja o costume belo e salutar, de cantarem todos, diariamente, este hino na salmodia vespertina. Assim, que o espírito dos fiéis, recordando frequentemente o mistério da encarnação do Senhor, se entregue com generosidade ao serviço divino e, lembrando-se constantemente dos exemplos da Mãe de Deus, se confirme na verdadeira santidade. E pareceu muito oportuno que isto se fizesse na hora das Vésperas, para que nossa mente fatigada e distraída ao longo do dia por pensamentos diversos, encontre o recolhimento e a paz de espírito ao aproximar-se o tempo do repouso.




"Tudo o que temos de benefícios de Deus, nós o recebemos pela intercessão de Maria. E por que é assim? Porque Deus assim o quer". (São Bernardo de Clavaral)




Niterói, 31 de maio de 2016


Notas:

1 - LOMBAERDE, Por que Amor Maria. pg 23.

2 - Como Mãe de Deus, Maria receberá todas as graças próprias a torná-la digna de seu sublime destino. "Deus devia conceder a sua Mãe a plenitude da graça", escreveu S. Cipriano. (12) Sto. Tomás exprime-se da mesma maneira : " A Santíssima Virgem, diz êle, era a criatura mais intimamente unida a Jesus Cristo, pois que é dela que êle recebeu a natureza humana ; por conseguinte, ela deve ter obtido, de preferência a todas as criaturas, uma plenitude mais completa da graça".(13)
E já antes dêle Sto. Agostinho havia dito : "Nós sabemos que a Santíssima Virgem, em previsão de sua maternidade divina, foi elevada ao auge da graça. "(14)
Tal é também o sentimento dos outros padres da Igreja.
São Bernardino de Sena, entre outras palavras, diz, depois de S. Jerõnimo (15), que "todas as graças que foram derramadas, em parte, sobre os outros santos, foram acumuladas sobre a pessoa de Maria Santíssima, na medida mais plena e mais abundante ". (16) "Deus outorgou à Santíssima Virgem, diz o mesmo S. Bernardino de Sena, tantas graças que mais é impossível conceder a uma criatura, exceto Jesus Cristo " (17)
Depois disto, ficaríamos espantados ao ouvir S. Boaventura assegurar que "Deus teria podido criar um mundo mais vasto, um céu mais belo, mas que não podia fazer uma mãe maior do que a mãe de Deus"? (18)

12) De Nativitate Christi. 13) Summa III. q. 27. art. 5. 14) S. Ag.
De natur. et grat. cap. XXVI. 15) Epist. 10 ad Paulam. 16) Quidquid
in aliis Sanctis praeclari sparsum est, in Deipara plenissime cumula­
tissimeque .invenitur collatum. Caeteris datur gratia per partes, B.
Virg. tota se fudlt gratia plenltudine (S. Bern. In Eccll. XXIV).
17) S. Bern. Senn. Serm. LXI art. 2. 18) Majorem mundum, majus
caelum posset facere Deus sed non majorem Matrem Dei (St.
Bonav. Spec. B. Virg.) .
(LOMBAERDE, Por que Amor Maria. pg 26). 

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