quarta-feira, 18 de maio de 2016

Porta do Céu

Janua coeli, ora pro nobis.


Levantai, ó portas, os vossos frontões! (Salmo 23





"A Santíssima Virgem é chamada, com toda propriedade, "Porta do Céu", porque d'Ela amanou toda a graça criada e Incriada que veio ou há de vir alguma vez ao mundo", diz-nos Santo Alberto Magno. "Ela é Mãe de todo o bem, Mãe da graça, Mãe de misericórdia. D'Ela brotou e fluiu para o mundo, como por um aqueduto, a própria Graça Incriada".

Segundo São Bernardo, Deus encheu Maria com todas as graças para que por seu intermédio recebam os homens todos os bens que lhes são concedidos. Faz aqui o Santo uma profunda reflexão, acrescentando: Antes do nascimento da Santíssima Virgem, não existia para todos essa torrente de graças, porque não havia ainda esse desejado aqueduto: Maria foi dada ao mundo – continua ele – a fim de que por seu intermédio, como por um canal, até nós corresse sem cessar a torrente das graças divinas.

Que lhe arrebentassem os aquedutos, foi a ordem dada por Holofernes para tomar a cidade de Betúlia (Jt 7, 6). Assim o demônio também envida todos os esforços para acabar com a devoção à Mãe de Deus nas almas. Pois, cortado esse canal de graças, mui fácil se lhe torna a conquista. Consideremos, portanto, continua São Bernardo, com que afeto e devoção quer o Senhor que honremos esta nossa Rainha. Consideremos o quanto deseja que a ela sempre recorramos e em sua proteção confiemos. Pois em suas mãos depositou a plenitude de todos os bens, para nos tornar cientes de que toda esperança, toda graça, toda salvação, a nós chegam pelas mãos dela. A mesma coisa declara Santo Antônio.Todas as misericórdias dispensadas aos homens lhes têm vindo por meio de Maria.

É por isso Maria comparada à lua. Colocada entre o sol e a terra, a lua dá a esta o que recebe daquele, diz São Boaventura; do mesmo modo recebe Maria os influxos da graça para no-los transmitir aqui na terra.

Pelo mesmo motivo chama-lhe a Igreja “porta do Céu”. Como todo indulto do rei passa pela porta de seu palácio, observa São Bernardo, assim também graça nenhuma desce do céu à terra sem passar pelas mãos de Maria. Ajunta São Boaventura que Maria é chamada porta do céu porque ninguém pode entrar no céu, senão pela porta que é Maria.

Nesse sentimento confirma-nos São Jerônimo no sermão da Assunção, que vem inserido nas suas obras. Nele lemos que em Jesus Cristo reside a plenitude da graça, como na cabeça, de onde se transfunde para nós, que somos seus membros, o vivificador espírito dos auxílios divinos necessários à nossa salvação. Em Maria reside a mesma plenitude como no pescoço, pelo qual passa esse espírito para comunicar-se ao resto do corpo. Com cores mais vivas dá São Bernardo o mesmo pensamento: Por meio de Maria transmitem-se aos fiéis, que são o corpo místico de Jesus Cristo, todas as graças da vida espiritual emanadas de Jesus Cristo, que lhes é cabeça. E com as seguintes palavras procura confirmar isto: Tendo-se Deus dignado habitar no ventre desta Virgem Santíssima, adquiriu ela uma certa jurisdição sobre todas as graças: porque, saindo Jesus Cristo do seu ventre sacrossanto, dele saíram juntamente como de um oceano celeste todos os rios das divinas dádivas. Escrevendo com maior clareza ainda, diz o Santo: A partir do momento que esta Virgem Mãe concebeu em seu ventre o Divino Verbo, adquiriu, por assim dizer, um direito especial sobre os dons que nos provêm do Espírito Santo, de tal modo que criatura alguma recebe graças de Deus, senão por mãos de Maria.
(…)
Lê-se no profeta Isaías (11, 1) que da raiz de Jessé sairia uma haste, isto é, Maria, e dela, uma flor, isto é, o Verbo Encarnado. Sobre essa passagem tece Conrado de Saxônia este belo comentário: “Todo aquele que desejar obter a graça do Espírito Santo, busque a flor em sua haste, isto é, Jesus em Maria. Pois pela haste encontraremos a flor e pela flor chegaremos a Deus. – Se queres possuir a flor, procura com orações inclinar a teu favor a vara da flor e alcançá-la-ás. De outro lado, nota-te as palavras do seráfico São Boaventura, comentando o trecho “Eles encontraram a criança com Maria, sua Mãe”. Ninguém, diz ele, achará jamais a Jesus senão com Maria e por meio de Maria. E conclui que em vão procura Jesus quem não procura achá-lo com sua Mãe. Dizia por isso São Ildefonso: Quero ser servo do Filho; mas como ninguém pode servir ao Filho sem servir também a Mãe, esforço-me, por conseguinte, em servir a Maria.

Anunciação - Da Vinci

Maria é chamada de a Porta do Céu pois foi através dela que Nosso Senhor passou do céu à terra. Ezequiel, profetizando sobre Maria diz: “O Senhor disse-me: Este pórtico ficará fechado. Ninguém o abrirá, ninguém aí passará, porque o Senhor, Deus de Israel, aí passou; ele permanecerá fechado. O príncipe, entretanto, enquanto tal, poderá assentar-se para tomar sua refeição diante do Senhor”. (Ez 44,2-3).Agora isso está cumprido. Não apenas por Nosso Senhor vir de sua carne e ser seu Filho, mas, além disso, por ela ter tido um lugar na economia da Redenção; está cumprido em seu espírito e vontade, bem como em seu corpo. Eva teve uma parte na Queda do homem, embora fosse Adão nosso representante, cujo pecado nos fez pecadores. Foi Eva quem tudo iniciou ao tentar Adão. A Escritura diz: “A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e mui apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu e o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente”. (Gn 3,6). Convinha, em seguida, pela misericórdia de Deus que, como a mulher iniciou a destruição do mundo, assim também a mulher deveria iniciar sua recuperação. Como Eva abriu o caminho para o ato fatal do primeiro Adão, assim Maria deveria abrir o caminho para a grande realização do segundo Adão, justamente Nosso Senhor Jesus Cristo, que veio para salvar o mundo, morrendo na cruz por ele. Por isso, Maria é chamada pelos Santos Padres uma segunda e melhor Eva, por ter dado o primeiro passo para a salvação da humanidade, a qual Eva levou à ruína.Como e quando Maria tomou parte, e a parte inicial, na restauração do mundo? Foi quando o anjo Gabriel veio a ela anunciar a grande honra que lhe cabia como sua parte. São Paulo nos exorta: “oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus” (Rm 12,1) Não devemos apenas rezar com nossos lábios, rapidamente, e fazer penitências exteriores e sermos castos, mas devemos ser obedientes e puros em nossas mentes.E assim, no que diz respeito à Santíssima Virgem, era o desejo de Deus que ela aceitasse, voluntariamente, e com pleno entendimento, ser a Mãe de Nosso Senhor, não sendo um mero instrumento passivo, cuja maternidade não teria nenhum mérito e nenhuma recompensa. Quanto maiores nossos dons, mais árduos nossos deveres. Não era um destino fácil estar tão intimamente próximo do Redentor dos homens, como foi vivenciado mais tarde, quando ela padecer com Ele. Portanto, ponderando bem as palavras do anjo, antes de dar-lhe sua resposta, primeiro ela pergunta se tão grande serviço implicaria na perda daquela Virgindade, sobre a qual ela tinha feito seus votos. Quando o anjo lhe respondeu que não, então, com pleno consentimento de um coração cheio, cheio do amor de Deus para com ela, e por sua humildade, ela disse: “Eis aqui a serva do Senhor: Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E foi por essa aceitação que ela se tornou “A Porta do Céu”. (NEWMAN, 2015)

Uma longa tradição da Igreja nos leva a invocar Maria como “Porta do Céu”. Claro que, mais propriamente, a porta é Cristo. “Ego sum ostium”, diz ele mesmo no Evangelho de S. João, isto é, “Eu sou a Porta” para a salvação (Jo 10,9).Mas que, como em tantos outros casos, Maria é toda relativa a Jesus. Seus títulos, suas missões ou tarefas dependem dele. E os Padres e Doutores da Igreja gostam de chamá-la “Porta do Céu”, porque, vindo ao mundo através dela, Jesus abriu para nós a possibilidade de entrada no lugar da paz eterna, da alegria sem fim, no seio do Pai. Maria é o lugar de passagem, de entrada. Assim, Santo Anselmo: “Tu és a porta celeste, pela qual passou o Emanuel, o Deus conosco”. Ou Santo Anastácio de Antioquia: “Porta do paraíso, pela qual se vai para a incorrupção”.Santo Agostinho põe nos próprios lábios de Nossa Senhora estas palavras: “Deus me constituiu porta do céu, um lugar de passagem para o Filho do Altíssimo” (Serm 14, De Nat. Dom).Em latim, diz-se na ladainha: Janua coele, ora pro nobis. Há outras palavras para dizer porta, em latim, ostium, porta. Cada qual tem um sentido primitivo, que põe nuanças, entretons, no significado do vocábulo, "Janua" deriva de "Janus", que significava uma passagem desimpedida, às vezes coberta. Um lugar de passagem indica uma saída, o não estar preso, o poder ir e vir, a certeza de uma certa liberdade física, coisas tão importantes para o homem que ele, entre os romanos, divinizou a passagem, personificando-a no deus Jano, o deus de dupla face, como as Portas que dão passagem para quem entra e para quem sai.As religiões têm dado sempre enorme valor aos ritos de passagem, em que você vai de um estado a outro, do paganismo ao cristianismo, por ex., no rito do batismo; do pecado para a graça, no rito da penitência. A passagem de um ano ao outro, com a renovação da esperança, deu nome ao mês de “janeiro”, o mês de Jano (em latim, Januarius).Assim também a devoção cristã quis personificar em Maria, Janua Coeli, Porta do Céu, a alegria e a certeza de nossa liberdade espiritual, a segurança de não termos entrado por um beco sem saída.Por isso, Porta do Céu, Mãe da Esperança, rogai por nós. (RANGEL, 1991)







Notas:



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