sexta-feira, 20 de maio de 2016

Mãe Puríssima

Mater purissima, ora pro nobis.



O que Deus purificou não chames tu de impuro. (Atos 10:15)





Mãe Puríssima, diz o Padre Paschoal Rangel, "parece tão claro que não precisa de explicação" (1). Entretanto, elucida mais:
A palavra "puro" inclui o sentido de simplicidade, o inteiramente uno, o contrário de duplicidade, a sinceridade, o imisturado, o não composto. A negação (não-composto, imisturado) são o preço que nossa pobre língua paga na hora de dizer ou tentar dizer as coisas mais positivas, mais plenas, de uma afirmatividade e plenitude que superam demais nosso modo de pensar e falar. Puro é a integridade, o que é só e inteiramente aquilo que é.
Porque resultamos em geral misturados e sempre temos alguma impuridade ou mancha, então a gente sente que precisa limpar-se, tirar as misturas.  Por isso mesmo, o próprio termo "puro" tem a ver com a palavra grega "pyr, pyrós", que significa "fogo", donde vem a nossa expressão "pira" = fogueira. Puro seria aquilo que passou pelo "pyr", o fogo. O fogo bem aceso, sem fumaça, ardente, ardentíssimo, quase branco de tão forte, é pureza total e purifica o que lhe sofre a ação.
É assim (como o fogo) que Maria é pura, livre de toda mancha, bela sem nenhum defeito, purificadora de tudo que ela toca e que se deixa envolver em seu amor. Dela se diz que é "toda bela" - Tota pulchra es, Maria, et macula originalis non est in te (Toda bela és, Maria, e a mancha original não existe em ti).
Não é, contudo, principalmente, por não ter a mancha do pecado original ou de qualquer outro pecado, que Maria é puríssima. É sim, por ter recebido, desde o primeiríssimo momento de sua existência humana, a plenitude da graça, do amor, da presença de Deus. Deus nela, Ela em Deus. Ela toda cheia de Deus, não podia ser senão puríssima: brilho, candor, luminosidade, alvor. É por isso que todos nós gostamos de invocá-la como Virgem, a Virgem Maria. E podia ser diferente para quem concebeu do Espírito Santo o Sol da Justiça, esse Fogo Vivo de Amor que é Jesus Cristo? Dizia alguém: "Antes de se levantar, o sol produz uma agradável aurora: assim, antes de nascer, o Cristo transformou sua Mãe em "Estrela da Manhã", como a chama a Santa Igreja, suavíssima aurora que caminha bonita, sem ofuscamento.
A pureza de Maria, como a aurora, brilha, mas não ofusca; chama a atenção, mas não humilha.
Diz o Padre Vaz, em O Louvor a Maria, que a "pureza de olhar, a pureza do coração é condição essencial para ver a Deus, para conhecer sua manifestação entre nós como Filho de Deus feito Homem e para acolher seu dom que é o Espírito Santo" (2).

No Sermão da Montanha, Jesus proclamou a bem-aventurança: "Felizes os puros de coração porque verão a Deus" (Mt 5,8). Essa pureza não nasce da eficácia dos sacrifícios rituais da lei mosaica, da oração feita no Templo de Deus, da simples busca de pureza legal ou moral pelo cumprimento da lei. Ela existe em nós pela presença ativa de Cristo em nossa vida: "Estais puros, mas não todos" (Jo 13,10), disse Jesus aos apóstolos após o lava-pés, registrando a exceção de Judas, o traidor. Pela convivência com Jesus, pela aceitação de sua mensagem, como aconteceu com os apóstolos, também nós somos purificados: "Vós estais puros por causa da palavra que vos fiz ouvir" (Jo 15,3). Essa pureza que procede de Cristo foi prenunciada nas profecias que falavam da fonte de água purificadora e fecundante que deveria regenerar Sião (Ez 14, 1...; Zc 14,8), aquele "rio de água viva" (Jo 7,38) que jorra do seio de Jesus e é o Espírito Santo "que deviam recebem os que n'Ele crerem" (Jo 7,39). 
Maria é toda pura porque é a mais perfeita entre as criaturas humanas.
A pureza, na concepção do Antigo Testamento, consistia na perfeição física da pessoa, do animal ou da coisa. Somente podia ser oferecido a Deus em sacrifício o animal sem defeito físico, e o profeta Malaquias recrimina os que usavam vítimas defeituosas para seus ritos sacrificiais. O livro do Levítico dedica vários capítulos às regras da pureza ritual (caps. 11-13) e para a santidade das pessoas e coisas (caps. 17-22). 
No Novo Testamento é puro aquele que não tem pecado. Maria é, portanto, totalmente pura porque, desde o primeiro instante de sua existência, foi isenta da mancha do pecado. A Igreja canta um belo hino: "És toda bela, ó Maria, e a mancha original em Ti não existe!". A pureza de Maria é completa: nos pensamentos voltados para Deus, nas palavras cheias de caridade e prudência, nas ações d'Aquela que foi, em cada hora, fiel a sua entrega total à missão de Deus. 
A pureza em relação ao pecado tem sua raiz na humildade e na docilidade a Deus, que nos arma contra o Maligno. Este está sempre a nos tentar. O pecado nasce do orgulho e da auto-suficiência do homem e da mulher que um dia ouviram a voz da serpente tentadora: "Sereis como deuses, conhecendo o Bem e o Mal" (Gn 3,5). O pecado consiste na usurpação do que é exclusivo de Deus, isto é, do poder de definir o que é o Bem e o que é o Mal. Somente o humilde aceita o domínio absoluto de Deus em sua vida e assim se arma para resistir ao Tentador que nos assedia pela concupiscência dos olhos (poder, riqueza, ambição), pela concupiscência da carne (luxúria, busca do prazer sensível) e pela soberba da vida (orgulho, auto-suficiência) (1Jo 2,16). Maria é a grande vencedora do Maligno, Aquela que esmagará a cabeça da serpente (Gn 3,15). É Ela a "mulher vestida de sol" que venceu o dragão da maldade (Ap 12,1-6, 13-17) porque é, antes de tudo, a "humilde serva do Senhor" (Lc 1,48).
É comovedor ver como Maria, a Mãe puríssima, exerce um especial atrativo, um verdadeiro fascínio para a inocência das crianças, para a generosidade dos jovens, para a fé simples e humilde de nosso povo. Ela representa um ideal de beleza, de dignidade e de verdadeiro amor neste mundo tão marcado hoje pela exacerbação do erotismo, pela sensualidade erigida como valor maior no relacionamento entre as pessoas, pela profanação da santidade de nosso corpo, pelo desrespeito e desprezo ao ideal de pureza, à inocência das crianças e à santidade da família.

"A Ladainha de Nossa Senhora é mais do que uma prece, é uma lista de valores humanos fundamentais", diz o Padre Joãozinho (3), ao refletir sobre esta invocação à Virgem Maria:

Muita caricatura já se fez em torno desse qualidade. A mãe de Deus não tem nada a ver com aquela imagem angelical de uma santinha ingênua, quase boba, que não conhece nada da vida, inexperiente, refugiada em uma experiência espiritual alienante, com as mãos postas e olhos fechados. É esta a imagem que muita gente tem do santo.
É verdade que algumas pinturas provenientes do romantismo barroco não ajudam muito a entender o sentido da verdadeira pureza e da autêntica santidade. Centenas de anjos subindo e descendo... Nuvens e fumaça... Estrelinhas e auréolas,,, Tudo coloca o santo mais perto do céu do que da terra. Na verdade o santo é alguém que tem os pés no chão e o coração no céu, Tem os olhos fixos em Deus e as mãos prontas para ajudar os irmãos. Esta é a imagem de Maria que a Bíblia nos deixou. Uma mulher que depois do êxtase experimentado na conversa com o anjo Gabriel teve a coragem de caminhar 120 quilômetros para ajudar a prima Isabel, que também estava grávida. E ficou ali seis meses. Depois voltou para casa, grávida de seis meses. Isto sim é santidade.
Vivemos num mundo que quase já não pode entender a mensagem da pureza. Mas acredito também que nossa juventude perfurada por tantos "piercings" e tatuada com tantos demônios e dragões já começa a sentir saudades da autenticidade original. O pecado pesa, cansa, cheira mal. A malícia faz a gente ficar feio, por mais formoso que seja o rosto. O que produz em nossa juventude esse mau humor? Parece que a estrutura de pecado presente em nossa pornográfica cultura começa a cansar. A fuga na droga, no mundo virtual, na vida sexual sem critérios e limites rouba o jovem de si mesmo e o condena à náusea e à solidão. No fundo do coração permanece sempre aceso um pequeno fogo que o faz, mais cedo ou mais tarde, sentir saudades de Deus.
É neste momento que o rosto de Maria, nossa Mãe puríssima, se torna um oásis de esperança. Chega um dia em que todos precisam de um ombro para chorar. E o primeiro lugar que procuramos é o colo da Mãe. Não importa o título: imaculada, virgem, casta, santa... é Mãe e pronto! Ela não acolhe por interesse. É pura.
A pureza deixa a pessoa linda. A imagem que me vem é da idosa e lindamente enrugada Madre Teresa de Calcutá. Nosso tempo viu mulher mais bela? Alguém pode esquecer-se dos olhos negros de Teresa? Sua beleza foi fruto de uma existência transfigurada em Deus e a serviço dos que já não tinham esperança.
MADRE TERESA DE CALCUTÁ
Sobre isto o Papa Bento XVI diz de maneira muito bela em sua encíclica "Deus caritas est": "Eu vejo com os olhos de Cristo e posso dar ao outro muito mais do que as coisas externamente necessárias: posso dar-lhe o olhar de amor de que ele precisa" (n. 18). O dom do olhar... isso apenas as pessoas puras podem dar. Quem usa os próprios olhos para explorar o corpo do outro com malícia perde este dom. Os olhos são os espelhos da alma. Mas quem se exercita em contemplar os olhos de Deus, por exemplo na Eucaristia, recebe a luz e passa a ter um rosto que brilha. Nosso mundo precisa de pessoas com este olhar. Algumas tendências de "marketing" dos nossos tempos querem vender de tudo maculando nossos olhos. Prostituem a imagem do corpo para vender. Vivemos em um imenso bordel. É o mercado da malícia. Não admira que também hoje as prostitutas tenham um olhar mais puro do que aqueles que as prostituem. Elas nos precederão no Reino, advertiu Jesus.
A pureza é uma virtude atual. Precisamos de políticos puros, sem corrupção. Precisamos de padres e religiosos puros, repletos de unção, sem malícia nem indiferença. Há urgência de pais e mães puros, que não queiram apenas usar um ao outro para mendigar uma fútil sensação de felicidade, pais capazes de dar aos seus filhos o maravilhoso dom de um olhar puro. Isto um filho jamais esquece. Precisamos de jovens capazes de um namoro puro, que respeita o templo de Deus que é o corpo do outro... e sabe esperar, sim, sabe esperar. AVE: Amor Verdadeiro Espera! Ave, Maria!








Notas:




1 - RANGEL, 1991, pg 21s.

2 - VAZ, 2005, pg 36s;

3 - ALMEIDA, 2010, pg 43ss.

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