quarta-feira, 18 de maio de 2016

Auxílio dos Cristãos

Auxilium Christianorum, ora pro nobis.

Mas o Senhor Todo-poderoso os repeliu pelas mãos de uma mulher (Judite 16: 5)

Do livro Litanies de la Très-Sainte Virge (Abbé Édouard Barthe)

Estamos acostumados com Maria, a Mãe de Jesus, do Novo Testamento, nos escritos dos apóstolos, e em poucas passagens. Contudo, Maria, a Nova Eva, é, segundo a SagradaTradição, prefigurada em inúmeras passagens e personagens do Antigo Testamento: uma delas é em Judite, citada na epígrafe deste capítulo. Mas são muitas outras. O livro Mariology: A Guide for Priests, Deacons, Seminarians, and Consecrated Persons elenca várias: a própria Eva – em contraexemplo, Ester, Sara, Rebeca, Rute... Fiquemos somente com o caso de Judite, porque é uma das passagens citada na imagem acima (1): 
Judith 16:20Vae genti insurgenti super genus meum: Dominus enim omnipotens vindicabit in eis; in die judicii visitabit illos. Isto é: "Ai das nações que se levantarem contra minha raça! O Senhor Todo-poderoso as punirá no dia do juízo", na tradução da Bíblia de Jerusalém (Judite 16: 17).

E, também, não sei bem o porquê, encontrei outra passagem e tomei-a na epígrafe. Mas, o que interessa é saber: qual a história de Judite, ou das outras mulheres? E, por que a Sagrada Tradição vê nelas uma prefiguração da Virgem Maria? Tomemos emprestado um resumo, embora seja mais interessante ler o Livro de Judite. A história é a seguinte:

“Nabucodonosor, rei de Nínive, envia seu geral Holofernes para subjugar os judeus. O último assedia-os em Betúlia, uma cidade à beira do sul da planície de Esdrelon. Achior, o amonita, que fala em defesa dos judeus, é maltratado por ele e enviado para a cidade sitiada para aguardar sua punição feita por Holofernes. A fome mina a coragem dos encurralados e eles resolvem se rendem, mas Judite, uma viúva, repreende-os e diz que vai deixar a cidade. Ela vai para o acampamento dos assírios e Holofernes cativo pela sua beleza, e finalmente, tira proveito da intoxicação do general para cortar-lhe a cabeça. Ela retorna para a cidade inviolada com a cabeça como um troféu, e um ataque, por parte dos judeus, resulta no alvoroço dos assírios. O livro termina com um hino ao Todo-Poderoso feito por Judite para comemorar sua vitória” (In, POPE, Hugh. “Estudo sobre o Livro de Judite. The Catholic Encyclopedia. Vol. 8. New York: Robert Appleton Company, 1910. Tradução de Rafael Rodrigues).

A Sagrada Tradição vê na história de Judite uma prefiguração da Virgem Maria: esta mulher que desponta como a aurora, bela como a lua, fulgurante como o sol, terrível como o esquadrão com bandeiras desfraldadas (Cânticos dos Cânticos 6: 10), para citar outra passagem que a prefigura. Esta mulher corajosa que, sozinha, com o as graças do Todo-poderoso, enfrentou o perigoso inimigo e o venceu, assim como Maria.

Com efeito, São Luís Maria Grignion de Monfort  (2), ao referir-se à Santíssima Virgem e os seus escravos por amor, diz que a Virgem Maria: os ama; os mantém; os conduz; intercede por eles e os defende e protege dos inimigos. Diz ele:
“Maria, a Mãe misericordiosa dos predestinados, abriga-os sob as asas de sua proteção como uma galinha aos pintinhos. Ela lhes fala, abaixa-se até eles, é condescendente para com suas fraquezas, protege-os; acompanha-os contra as garras do gavião e do abutre; acompanha-os como um exército em linha de batalha: ‘ut castrorum acies ordinata (Cântico dos Cânticos 6: 4) (3)”.
Por sua vez, o Catecismo da Igreja Católica (4), quando refere à maternidade de Maria com relação à Igreja e sendo nossa Mãe na ordem da Graça, ensina que: “Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura ininterruptamente, a partir do consentimento que ela fielmente prestou na anunciação, que sob a cruz resolutamente manteve, até a perpétua consumação de todos os eleitos. Assunta aos céus, não abandonou este múnus salvífico, mas, por sua múltipla intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna (...) Por isso, a bem-aventurada Virgem Maria é invocada na Igreja sob os títulos de advogada, auxiliadora, protetora, medianeira”. (5)


A História da Inclusão do Epíteto “Auxilium Christianorum” na Ladainha


O Breviarium Romanum


Breviarium Romanum
Festa de Maria Auxílio dos Cristãos

O Breviarium Romanum ex decreto Sacrosancti Concilii Tridentini restitutum, no dia 24 de Maio (6), dizia que a invocação “Auxilium Christianorum” foi introduzida na Ladainha Lauretana por Pio V, depois da Batalha de Lepanto. Contudo, seria mais próprio dizer que esta foi, então, perpetuada canonicamente por Pio V, pois, segundo alguns estudiosos tal invocação já aparecia anteriormente ao ano de 1571, quando se deu a batalha (6.a).


O Cardeal Newman, em suas meditações (7) escreve sobre esta invocação dizendo que ela faz referência aos numerosos serviços que a Virgem Maria, desde sua Assunção (7.a), presta ao povo eleito e à Igreja, e cita alguns deles referidos no Ofício Divino, que estão mais ou menos relacionados com os mistérios do Rosário:


·    A primeira foi no começo da instituição da devoção do Santo Rosário por São Domingos de Gusmão, quando, com a ajuda da Santíssima Virgem, se conseguiu deter e fazer desaparecer do sul da França a heresia albigense.
·         A segunda, já citada, foi a grande vitória na Batalha de Lepanto.
·     A terceira, que aponta Newman, foi a “gloriosa vitória sobre o mais terrível dos sultões turcos”, que teriam acurralado os cristãos; em perpétua memória por este favor, o Papa Inocêncio XI dedicou o domingo da oitava da Festa da Natividade da Virgem Santa Maria à Festa do Santíssimo Nome de Maria.
·        O quarto exemplo de auxílio, continua Newman, foi na vitória da Hungria, também sobre os turcos, na Festividade de Nossa Senhora das Neves. Favor “obtido pelas solenes súplicas das Confrarias do Rosário: com este motivo os papas Clemente XI e Bento XIII concederam novas honras e privilégios à devoção do Santo Rosário”.
·        Por último, destaca a restauração do poder temporal dos papas, no início do século XIX, depois que Napoleão I, os havia exilado da Santa Sé. O Papa Pio VII estabeleceu o dia 24 de maio como a Festa da Maria Auxiliadora dos Cristãos, em perpétua ação de graças.

Essas histórias, reflete o Padre Paschoal Rangel, mais que muitas outras considerações, mostram o sentido deste título. Maria não é apenas a protetora de cada um de nós. Ela está empenhada nas grandes causas da Igreja e do mundo. Contam-se por dezenas as histórias em que a Virgem se tornou o auxílio do povo. E nós confiamos nela (8).


Os Sonhos de Dom Bosco: “Foi Ela quem tudo fez”.


São João Bosco

Dom Bosco teve vários sonhos proféticos (9). Um deles, ocorrido em 1862, antes do Concílio Vaticano I, portanto, é assim narrado (transcrevo):
Imagine-se no meio de uma enseada, ou melhor, sobre uma rocha isolada, da qual não se divisa nenhum ponto de terra firme, exceto sob os seus pés. Na extensão desse vasto mar, você divisa uma frota incontável de navios de guerra dispostos para a batalha. As proas desse navios são pontiagudas e perfurantes, de forma a perfurar e destroçar completamente tudo contra o que se lançarem. Os navios são armados com canhões, muitos rifles, materiais incendiários e outras armas de fogo de vários tipos, e avançam contra um navio bem maior e mais alto do que o deles; eles tentam atingi-lo com suas proas ou queimá-lo, causar-lhe mal de todas as maneiras possíveis.
Escoltando o majestoso navio plenamente equipado, há um sem-número de barcos menores, que recebem comandos daquele por sinais, reposicionando-se para defenderem-se dos ataques da frota inimiga. Bem no meio dessa imensa extensão marítima, duas poderosas colunas elevam-se, altas, a pequena distância uma da outra. No topo de uma, encontra-se a estátua da Imaculada Virgem Maria, de cujos pés pende um enorme placa com a inscrição: Auxilium Christianorum - Auxílio dos Cristãos; sobre a outra, que é ainda mais alta e maior, há uma enorme Hóstia, de tamanho proporcional ao da coluna; e sob ela, outra placa, com as palavras: Salus Credentium - Salvação dos Fiéis.
O comandante supremo do navio grande é o Sumo Pontífice. Observando a fúria dos inimigos e malfeitores dentre os quais os fiéis se encontram, ele convoca os capitães dos pequenos barcos e ordena um conselho, para juntos decidirem o que fazer.
Todos os capitães vêm a bordo e se reúnem em torno do Papa. Eles iniciam uma conferência, mas nesse meio tempo o vento e as ondas rompem numa grande tempestade, e eles têm de retornar às suas próprias embarcações para salvá-las. Vem, então, uma pequena calmaria; pela segunda vez, o Papa reúne seus capitães em torno de si, enquanto o navio-mãe prossegue em seu curso. Mas a terrível tempestade retorna. O Papa comanda a embarcação e envia todas as suas energias para direcionar seu navio às colunas, de cujos topos pendem muitas âncoras e fortes ganchos ligados a correntes.
Todas as embarcações inimigas mobilizam-se para atacá-lo; elas tentam detê-lo e afundá-lo, de todas as maneiras ao seu alcance: algumas com livros e escritos inflamáveis, de que dispõem em abundância; outras com armas de fogo, com rifles e outras armas. A batalha recrudesce crescentemente. O inimigo ataca de proa violentamente, mas seus esforços provam não ser eficazes. Eles arremetem em vão, e perdem todo o seu esforço e a sua munição; o grande navio segue inabalável e suavemente seu rumo. Às vezes acontece de ser atingido por formidáveis tiros, ele apresentar grandes brechas laterais; Mas assim que o dano acontece, uma brisa gentil sopra das duas colunas, fechando as fissuras e restaurando os estragos imediatamente.
Entrementes, as armas de fogo dos assaltantes são disparadas; rifles e outras armas, bem como as proas se quebram; muitos navios são atingidos e afundam no oceano. Então, os inimigos enfurecidos passam a lutar corpo-a-corpo, com os punhos, tiros à queima-roupa, blasfêmias e maldições. "De súbito, o Papa cai gravemente ferido. Imediatamente, os que estão com ele o ajudam e o levantam. Uma segunda vez, o Papa é atingido; ele cai de novo e morre. Um grito de júbilo e vitória irrompe dentre os inimigos; de seus navios eleva-se uma indizível zombaria.
Mas assim que o Pontífice cai, um outro assume o seu lugar. Os pilotos, tendo-se reunido, elegeram outro tão prontamente que, com a notícia da morte do anterior já se apresentam as boas novas da eleição do sucessor. Os adversários começam a perder a coragem.
O novo Papa, pondo o inimigo em fuga e superando todos os obstáculos, guia o navio diretamente às duas colunas e consegue descansar entre elas. Ele ancora o seu navio à coluna encimada pela Hóstia, prendendo uma corrente leve que sai da proa a uma âncora presa à coluna; uma outra corrente leve presa à popa é atracada a uma âncora que pende da coluna sobre a qual está a Virgem Maria.
Neste ponto, inicia-se uma grande convulsão. Todos os navios que estiveram até então em luta contra o navio do Papa são dispersados; eles se afastam em confusão, colidem e quebram-se em pedaços, uns contra os outros. Alguns afundam e tentam afundar os outros. Muitas das pequenas embarcações que lutaram galantemente pelo Papa correm a prender-se às colunas. Outras, que se haviam mantido à distância, por medo da batalha, observam cautelosamente de longe; assim que os escombros dos navios afundados são dispersados pelos redemoinhos do mar, elas se aventuram a rumar para as duas colunas, e alcançando-as, fazem-se prender aos ganchos que delas pendem, para se porem a salvo, à sombra do navio principal, onde está o Papa. Reina sobre o mar uma grande calma (10).

Sem dúvida, é com São João Bosco que a invocação de Maria como “Auxiliadora dos Cristãos” ganhou um enorme impulso e popularização. Dom Bosco, adotou esta invocação para sua Congregação Salesiana, que difunde pelo mundo o amor a Nossa Senhora Auxiliadora. No ano de 1862, iniciou a construção, em Turim, a construção de um santuário, que foi a Ela dedicado: a Basílica de Maria Auxiliadora.

Dom Bosco aprendeu com sua mãe, Dona Margarida, a confiar inteiramente em Nossa Senhora, e para perpetuar o seu amor e a sua gratidão, criou a Congregração das Filhas de Maria Auxiliadora, juntamente com Santa Maria Domingas Mazzarello, para que fossem um "monumento vivo dessa sua gratidão".

Tão grande a devoção de Dom Bosco pela Virgem Maria a ponto de Ela ser conhecida, também, como a “Virgem de Dom Bosco”. Sobre a Festa de Maria Auxiliadora disse o santo que ela “deve ser o prelúdio da festa eterna que deveremos celebrar todos juntos um dia no Paraíso”. (11)

Nossa Senhora Auxiliadora na Basília de Turim
(Thomaso Lorenzone - 1868)

Orações


Oração a Nossa Senhora Auxiliadora, Protetora do Lar

Santíssima Virgem Maria a quem Deus constituiu Auxiliadora dos Cristãos,  nós vos escolhemos como Senhora e Protetora desta casa. Dignai-vos mostrar aqui Vosso auxílio poderoso   Preservai esta casa de todo perigo: do incêndio, da inundação, do raio, das tempestades, dos ladrões, dos malfeitores, da guerra e de todas as outras calamidades que conheceis.
Abençoai, protegei, defendei, guardai como coisa vossa as pessoas que vivem nesta casa.     Sobretudo concedei-lhes a graça mais importante, a de viverem sempre na amizade de Deus, evitando o pecado. Dai-lhes a fé que tivestes na Palavra de Deus, e o amor que nutristes para com Vosso Filho Jesus  e para com todos aqueles pelos quais Ele morreu na cruz.
Maria, Auxílio dos Cristãos, rogai por todos que moram nesta casa que Vos foi consagrada.
Amém.

Oração a Nossa Senhora Auxiliadora, composta por São João Bosco:

                Ó Maria, Virgem poderosa,
Tu, grande e ilustre defensora da Igreja,
Tu, Auxílio maravilhoso dos cristãos,
Tu, terrível como exército ordenado em batalha,
Tu, que, só, destruíste toda heresia em todo o mundo: nas nossas angústias, nas nossas lutas, nas nossas aflições, defende-nos do inimigo; e na hora da morte, acolhe a nossa alma no paraíso.
Amém.

Nossa Senhora Auxiliadora, rogai por nós!

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Niterói, 22 de maio de 2016.
Te agradeço, Senhor, por este dia e este trabalho, que é todo Vosso.
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Notas:

1 – As outras citações na imagem são:
  • a) - Sabedoria 5: 19Sumet scutum inexpugnabile aequitatem. ( "Usará o escudo da invencível santidade".  Tradução da Bíblia de Jerusalém.
  • b) - Psalms 75:4Ibi confregit potentias arcuum, scutum, gladium, et bellum. ( "Ali quebrou os relâmpagos do arco, o escudo, a espada e a guerra". Tradução da Bíblia de Jerusalém no Salmo 76(75): 4.
  • O desenho dos navios em guerra, ao centro, é uma referência à Batalha Naval de Lepanto, transcorrida em 7 de outubro de 1571.

3 - “És bonita, minha amiga, és como Tersa, formosa como Jerusalém, és terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas". In, Cântico dos Cânticos (6: 4, na tradução da Bíblia de Jerusalém).

4 - Catecismo da Igreja Católica (CIC) § 969.


6 Breviarium Romanum.  Todo o breviário pode ser consultado em: Breviarium Romanum ex decreto Sacrossancti Concilii Tridentini

6.a - São as opiniões de SANTARELLI (1997, pg 19) e SPIAZZI (1994, pg 106), por exemplo.


7.a - Para o Dogma da Assunção da Virgem Maria, ver Constituição Apostólica Munificentissimos Deus, do Papa Pio XII.

8 - In, Maria, Maria... Ladainha: Invocações e Metáforas feitas para Louvar,  pg 84. 

9 - Aqui é narrado e ilustrado muito belamente o de 1825: Dom Bosco I: Um sonho profético

10 - Adaptação do livro "Quarenta Sonhos de S. João Bosco", compilado e editado por Pe. J. Bachiarello, S.D.B., In, O Sonho de Dom Bosco 




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